Terça-feira, 1 de Abril de 2008

entrevista da semana

Um apito contra a violência

O som do apito funciona como um grito de socorro e, principalmente, como uma sirene de emergência que desperta a

Mulheres da ONG vão à rua apitar como protesto

atenção das mulheres da comunidade Córrego do Euclides, em Recife. Trata-se de uma mensagem clara: uma mulher está sendo agredida e precisa da ajuda das companheiras, que prontamente assopram seus respectivos apitos, desencadeando uma sinfonia de silvos potente o suficiente para intimidar o agressor. A idéia surgiu na ONG Grupo de Mulheres Cidadania Feminina com o objetivo de combater a violência doméstica. Desde 2001, a instituição - que ano passado recebeu o prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo - abriga mulheres que já passaram por humilhações; lá, elas renovam seu auto-estima. A coordenadora da ONG Rejane Pereira conversou com o Voluntários Embratel.

Voluntários Embratel - O apito como instrumento de denúncia contra a violência faz parte do Projeto Apitaço. Como surgiu essa idéia?

Rejane Pereira - Percebemos que as mulheres aqui da comunidade Córregos do Euclides não falavam sobre a violência que sofriam. Fizemos várias visitas familiares para sabermos como elas viviam. Vimos claros indícios de agressões físicas e psicológicas. A mulher agredida apresenta hematomas e fica claramente perturbada.

Num seminário, descobri que, na década de 70, mulheres colombianas saíam às ruas apitando e batendo em panelas para denunciar e protestar contra a agressão feminina. Trouxe a idéia para a comunidade e as pessoas foram se identificando. Aos poucos, um número cada vez maior de mulheres começou a sair às ruas, também apitando, inibindo possíveis criminosos e mostrando que elas podem, sim, reagir.

Voluntários Embratel - Como se identifica um caso de agressão?

Rejane Pereira - A violência predominante é a doméstica. Às vezes, a própria mulher que está prestes a sofrer a agressão apita. As vizinhas ouvem e começam a apitar também, e assim sucessivamente. Mas às vezes ela não pode reagir, então a iniciativa tem de partir das colegas. Por isso ficamos constantemente atentas a barulhos, gritos e xingamentos.

Voluntários Embratel - E como se resolve o impasse?

Rejane Pereira - A princípio, nós mesmas tentamos resolver o problema. Cercamos o agressor e tentamos tirar a vítima de lá e levá-la para o nosso grupo. A intenção é deixar o agressor constrangido e inibido o suficiente para ir embora.

Mas nem sempre isso acontece, porque o homem pode ser mais violento ou estar alterado, por exemplo. Intimidá-lo fica mais difícil. Nesses casos, chamamos a polícia.

Voluntários Embratel - A violência diminuiu?

Rejane Pereira - Diminuiu. Não tenho estatísticas, mas a diferença é evidente. O mais importante é que as mulheres passaram a se valorizar mais. Ainda não vivemos numa comunidade tranqüila, porque também temos focos de violência psicológica e sofremos preconceito. Alguns homens não gostam da gente porque acham que mulher tem que estar cozinhando em casa, não apitando por aí. "Minha mulher não faz mais comida para mim!", reclamam. (risos) Há muito machismo aqui ainda.

Voluntários Embratel - Como é feita a divulgação do projeto?

Rejane Pereira - Fazemos a divulgação pela rádio comunitária, distribuímos panfletos e espalhamos banners institucionais pela cidade. Também fazemos seminários onde falamos sobre as nossas oficinas.

Voluntários Embratel - Você disse que as mulheres não tinham coragem de denunciar, mas depois foram se identificando com o projeto. O que se faz para encorajá-las?

Rejane Pereira - Desenvolvemos vários tipos de trabalho. A mulher não chega aqui e simplesmente começa a apitar. Ela passa por oficinas que as fazem se reconhecer como mulheres, e não como objetos. Praticamos atividades visando a vivência coletiva. Temos um grupo em que as mulheres se reúnem para conversar sobre seus problemas, sejam lá quais forem. Elas descarregam as dificuldades que passam em casa ou no trabalho, por exemplo, se identificam e se ajudam.

Voluntários Embratel - Quais são as outras oficinas e quais seus objetivos?

Cidadania: os grupos visam a vivência coletiva
Rejane Pereira - Temos o grupo Filosofia do Saber, em que discutimos assuntos relacionados à identidade racial. Há mulheres negras que sofrem preconceito e queremos que elas reflitam sobre seu papel, como mulher, na sociedade e na política. Recuperamos a história negra, ensinamos a cozinha afro-brasileira.

Reservamos um espaço para a criança praticar esportes e aprender a tocar instrumentos musicais. Com as adolescentes, esclarecemos dúvidas associadas à descoberta sexual e às relações sexuais.

Temos um núcleo para lésbicas, um espaço onde elas têm a oportunidade se conhecerem e marcarem encontros, e fazemos reflexão a respeito de seus direitos na sociedade.

Temos ainda oficinas de teatro, dança, capoeira e hip-hop. Queremos fortalecer uma rede social para contribuir para a auto-estima e aprendizado cultural e intelectual.

As próprias participantes podem dar aula, e tudo acontece aqui dentro da sede da ONG. Funciona como uma espécie de rodízio, no qual primeiro você aprende, depois você ensina.

Voluntários Embratel - Quantas mulheres participam da ONG? E de onde vêm os recursos que as permitem realizar as atividades?

Rejane Pereira - Temos 22 organizadoras e 79 participantes. Nós bancamos a sede no Córrego de Euclides com nosso próprio dinheiro. Mas também temos a ajuda do Fundo Brasil de Direitos Humanos e, desde fevereiro, começamos a receber o apoio do Governo Federal, que, junto à Secretaria de Política para Mulheres, reconheceu a Cidadania Feminina como ONG de relevância nacional. Isso nos permitiu expandir a ONG a outras comunidades.

Voluntários Embratel - Quem pode participar da ONG?

Rejane Pereira - Qualquer mulher que bater em nossa porta. Trabalhamos com todas as faixas etárias. Temos crianças, adolescentes e mulheres da terceira idade.
publicado por BAAM às 19:15
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